31 maio, 2005

olhando a lua

Essa poesia escrevi durante o carnaval de 2004, quando percebi que o meu relacionamento com uma mulher incrível estava sendo diluído pela distância e pela própria vontade dela, ao se afastar de mim lenta e inexorávelmente.
A decepção, a dor e a consciência de que o fim seria inevitável me fez sentir simultâneamente a impotência perante o fato já consumado e a fúria de querer lutar contra algo que não era palpável nem visível, mas somente emoções que não tinha como controlar ou tentar ao menos administrar, o que me levou á dar vazão a um espírito urbano selvagem e agressivo, que reconheço, me supreendeu e até assustou um pouco, devido ao tom beligerante e sem limites com que me expressei, mas eu gostei do resultado final, pois descreveu exatamente o que estava sentindo em relação ás pessoas como um todo, em todo seu potencial meio idiota e insensível de ser em suas relações...



olhando a lua
ladre...
como um cão vira-latas
grite ao léu
seus pecados, seus medos, seus defeitos
bata com a cabeça
na parede
no muro
manche-os com seu sangue
vermelho escarlate
quente, cheio de vida
ainda pulsando fogo e paixão

bata
cabeça com cabeça
em seus inimigos
faça-os sentir
que você está vivo e furioso
olho por olho
dente por dente
mostre-lhes
que o mar
não está prá peixe
até tubarão
se esconde

acorde para a realidade
esqueça as ilusões
que você mesmo cria
saia desse mundinho
civilizado demais
nobre demais
que mais parece
um conto infantil

esmurre a vida
quantas vezes for necessário
para que ela te dê
aquilo que você quer

jogue pedras
insulte violentamente
ignore
amaldiçoe
vomite aos borbotões
sua indiferença
em quem te magoa

não deseje o mesmo
deseje mais
em dobro
multiplique ao infinito
tudo o que de ruim
te desejarem
te fazerem sofrer

ser legal com as pessoas
é uma virtude
que elas não desejam;
não suportam,
sentem asco perante um sorriso
generoso, sincero.
ser mau
é que é legal,
dá prestígio
te procuram sempre
prá levar mais porrada
porque isso faz com que elas
se sintam miseráveis
vulneráveis,
mais vivas
escravas da própria dor,
que queima como brasa viva
levando-as a um orgasmo doentio,
alimentando profundamente
uma auto-piedade
que elas não querem perder
jamais…

fique quieto...
ouça o seu silêncio...
cala a tua voz...
fique parado
olhando o mar
deixando-o tocar
violentamente
friamente
seus pés
na maré alta
na maré baixa

você não precisa de ninguém
nem de você mesmo
o vazio te basta
prá tantas desilusões,
te alimenta a alma
te trás a tona
de seu próprio oceano,
preenche tua vida
enche teus pulmões de ar
você respira
renasce
num parto sem dor
puro e limpo
como o princípio do mundo
antes de Adão e Eva

e você se basta
ali, quieto, sozinho
sorrindo
deitado na areia molhada
olhando a lua…

buscando a lua

Ainda no espírito da anterior, escrevi essa também, no mesmo dia.
Fica flagrante que aqui estou mais furioso, o animal figurativo é o lobo; um animal com o qual me identifico muito, devido á sua independência, força e autonomia; meu estado de espírito é mais selvagem e solitário; como um lobo de florestas densas e estepes imensas; pois desloquei minha raiva para paisagens inóspitas, mais agrestes e sem fronteiras, numa vontade intensa de me livrar de tudo o que me afligia e limitava naquele momento...



uive
como um lobo solitário
correndo solto
louco
livre
nas pradarias
vales
florestas
abismos do mundo…
alguém vai te ouvir
mesmo que á longa distância
e vai se arrepiar
sentir um vento gélido
percorrer a espinha
e vai saber
que ali existe algo
que não vale a pena encontrar
conhecer
só temer

essa distância
te basta
te realiza
e você sabe
que a partir desse momento
ninguém vai se aproximar
pra fuder tua alma
te capturar
te enganar
te estrupiar

essa solidão
te coloca
frente a frente
com você mesmo
um cão vira-latas
um vagabundo
uma fera
correndo livre
um homem inteiro
no alto de uma colina
com os olhos brilhantes
buscando a lua...








20 maio, 2005

E N C O N T R O S






Paul Auster é, no momento, o meu autor predileto (meu e de milhares de pessoas, claro!). Sua linguagem crua e rebuscada, cheia de simplicidade, nos trás à tona de nós mesmos, de nossos conflitos, nossas dúvidas e certezas. O prazer de ler suas obras permeia cada frase, cada situação, cada labirinto cheio de mistério que nos arrasta até o final da narrativa.




Dele já li “A trilogia de Nova York” e “Noite do oráculo" do qual tirei o texto abaixo, que ele inseriu no rodapé das páginas, como se fossem notas do “autor” descrevendo acontecimentos de sua vida pessoal.




Atualmente estou lendo A invenção da solidão – uma espécie de autobiografia onde ele reencontra a figura paterna e revisita a infância após a morte do pai – e “Pensei que meu pai fosse Deus”, uma coletânea de pequenas histórias escritas por cidadãos americanos comuns (leia mais detalhes no post “Mesa para dois”, do dia 14 de Maio 2005).


"Era janeiro de 1979, não muito depois de eu ter terminado meu segundo romance. Meu primeiro romance e um livro de contos anterior haviam sido publicados por uma pequena editora em São Francisco, mas então eu havia me mudado para uma casa maior e mais comercial em Nova York, a Holst & McDermott. Umas duas semanas depois de eu ter assinado o contrato, entrei na sala para ver minha editora e em algum ponto de nossa conversa começamos a discutir idéias para a capa do livro. Foi então que Betty Stolowitz pegou o telefone de sua mesa e me disse: "Por que não chamamos Grace aqui e vemos o que ela acha?" Grace trabalhava no departamento de arte da Holst & McDermott e tinha recebido a tarefa de desenhar a sobrecapa de Auto-retrato com irmão imaginário - que era como se chamava o meu livrinho de caprichos, divagações e tristezas de pesadelo.

Betty e eu continuamos conversando mais uns três ou quatro minutos, e então Grace Tebbets entrou na sala. Ficou ali durante uns quinze minutos e, quando saiu e voltou para sua sala, eu estava apaixonado por ela. Foi assim abrupto, conclusivo, inesperado. Tinha lido sobre essas coisas em romances, mas sempre achei que os autores exageravam no poder de um primeiro olhar - aquele momento incessantemente narrado em que um homem olha dentro dos olhos de sua amada pela primeira vez. Para um pessimista nato como eu, era uma experiência absolutamente chocante. Senti que estava sendo jogado de volta ao mundo dos trovadores, revivendo alguma passagem do capítulo inicial de Vita Nuova (...quando a gloriosa Senhora dos meus pensamentos tornou-se manifesta aos meus olhos), habitando aqueles velhos tropos de mil sonetos de amor esquecidos. Queimava. Ansiava. Definhava. Emudeci. E tudo isso me aconteceu no mais sem graça dos lugares, debaixo do brilho fluorescente de uma sala de escritório do final do século XX - o último lugar da terra onde se pensaria tropeçar na paixão da vida de alguém.


Não há como explicar um acontecimento desses, não há razão objetiva para explicar por que nos apaixonamos por uma pessoa e não por outra. Grace era uma mulher bonita, mas mesmo naqueles primeiros segundos tumultuosos de nosso primeiro encontro, quando apertei sua mão e observei enquanto se acomodava em uma cadeira junta à mesa de Betty, pude ver que não era excessivamente bonita, não como uma daquelas deusas estrelas de cinema que deixam a pessoa tonta com sua perfeição. Não há dúvida de que era atraente, marcante, agradável de se olhar (seja qual for a definição desses termos), mas mesmo sendo feroz minha atração, eu sabia que era mais do que apenas atração física, que o sonho que eu estava começando a sonhar era mais que uma onda momentânea de desejo animal. Grace me pareceu inteligente, mas à medida que a reunião foi rolando e a ouvi falar de suas idéias para a capa, compreendi que não era uma pessoa tremendamente articulada (hesitava muitas vezes entre idéias, limitava seu vocabulário a palavras pequenas, funcionais, parecia não ter nenhum dom de abstração), e nada do que disse aquela tarde foi particularmente brilhante ou memorável. Além de fazer algumas observações simpáticas sobre meu livro, não deu nenhum sinal que sugerisse estar mesmo que remotamente interessada em mim. E, no entanto, ali estava eu em um estado de máximo tormento - queimando e ansiando e definhando, um homem colhido nas malhas do amor.
Ela media um metro e setenta e pesava sessenta e dois quilos. Pescoço esguio, braços longos e dedos longos, pele clara e cabelo curto, louro opaco. Aquele cabelo, percebi depois, tinha alguma semelhança com o cabelo dos desenhos do herói de O pequeno príncipe - tufos espetados lisos e cacheados - e talvez a associação enfatizasse a aura um tanto andrógina que Grace projetava. As roupas masculinas que estava usando aquela tarde devem ter desempenhado seu papel ao criar a imagem também: jeans preto, camiseta branca e uma jaqueta de algodão azul-clara. Uns cinco minutos depois de começada a reunião, tirou a jaqueta e arrumou nas costas da cadeira. Vi então os seus braços, aqueles braços dela, longos, lisos, infinitamente femininos, e entendi que não haveria descanso para mim enquanto não conseguisse toca-los, enquanto não tivesse o direito de pôr as mãos em seu corpo e desliza-las por sua pele nua.
Mas eu queria ir mais fundo que o corpo de Grace, mais fundo que os fatos incidentais de sua pessoa física. Corpos contam, claro - contam mais do que estamos dispostos a admitir - mas não nos apaixonamos por corpos, nos apaixonamos um pelo outro, e mesmo que muita coisa se limite a carne e ossos, há também coisas que não. Todos sabemos disso, mas no minuto em que vamos além de um catálogo de características e aparências superfíciais, as palavras começam a nos faltar, a se desmanchar em confusões místicas, em nebulosas e irreais metáforas. Alguns dizem que é a chama do ser. Outros, a faísca interna ou a luz interior do eu. Outros ainda se referem a isso como o fogo da singularidade. Os termos são sempre oriundos de imagens de calor e luz, e aquela força, aquela essência da vida a que às vezes nos referimos como alma sempre se comunica a outra pessoa pelos olhos. Sem dúvida os poetas estavam certos em insistir nesse ponto. O mistério do desejo começa quando se olha nos olhos da amada, porque só aí é que se pode captar um lampejo do que é aquela pessoa.
Os olhos de Grace eram azuis. Um azul manchado de traços de cinza, talvez um pouco de castanho, talvez um pouco de avelã também, para contrastar. Eram olhos complexos, olhos que mudavam de cor segundo a intensidade e o tom da luz que batia neles em determinado momento, e a primeira vez que a vi aquele dia na sala de Betty, me ocorreu que eu nunca havia encontrado uma mulher que irradiasse tanta compostura, tanta traquilidade de porte, como se Grace, que ainda não tinha vinte e sete anos na época, já tivesse passado para algum estado de ser superior ao resto de nós. Não pretendo insinuar que havia nela algo contido, que pairava acima das circunstâncias com um beatífico olhar de condescendência ou indiferença. Ao contrário, ela esteve bem animada durante toda a reunião, riu com prontidão, sorriu, disse todas as coisas adequadas e fez todos os gestos adequados, mas por baixo do compromisso profissional com as idéias que Betty e eu estávamos lhe propondo, senti uma surpreendente ausência de conflito interno, um equilíbrio mental que parecia isola-la dos conflitos e agressões da vida moderna: insegurança, inveja, sarcasmo, a necessidade de julgar ou diminuir os outros, a insuportável e escaldante dor da ambição pessoal. Grace era jovem, mas tinha uma alma velha e calejada, e sentado junto dela naquele primeiro dia no escritório da Holst & McDermott, olhando em seus olhos e estudando os contornos de seu corpo magro e anguloso, foi por isso que me apaixonei: pela sensação de calma que a envolvia, o silêncio radiante que queimava ali dentro."

SITE DO AUTOR: http://www.paulauster.co.uk/

Pandemônio Paixão

existe o encontro
existe o mistério do olhar
existe a alegria simples
das descobertas
da magia em comum
buscando pontos de contato
sinergia do asfalto
doce desconhecido

idéias cultuadas
sentimentos cultivados
gostos descortinados
buscas carinhosas
expostas
olhos nos olhos
confissões, segredos, sedução
faiscam no ar

almas se unem
espíritos comemoram
corpos se arrepiam
atraídos pela emoção
efervescência, tesão;
paixão destrambelhada
delírio, ilusão, vendaval
intensidade ressoa
perfume no ar
suavidade pessoa

a descoberta da mulher,
da musa,
da amante,
da cúmplice,
da companheira ideal

verborragia de palavras
tempestades de emoções
ciclone de energia
corpos em danças tribais
de acasalamento
suor, fluidos, orgasmos
excitação, calor
furacão turbilhão

atropelando limites,
admiração recíproca
desfrutando a beleza
seduzindo a sutileza
abrindo abismos
de silêncio
ilusão
destemor

medo da paixão - doce embriaguez
medo da força
medo do brilho
medo do calor
medo do sol
medo de mim
medo do meu olhar voraz
meu coração beat acelerado
minhas emoções incendiárias
você...

quem é você?
achei que tivesse te decifrado
mas teu silêncio insinua que me enganei

sou deportado
mais uma vez
jogado num mundo

já meu velho conhecido,
dos degredados da paixão
labirinto dos seres
enredados em sua própria ilusão
onde somente a tristeza e a solidão
me farão companhia
com a tênue luz
de sua lembrança
assombrando minha alma vazia

- escrito ás 4h de alguma madrugada,

em mais uma noite insone,
especialmente para você,
num prenúncio de minha queda
em mim mesmo...
seu silêncio derrotou
minha alegria de ter te conhecido

19 maio, 2005

A DETERMINAÇÃO

A DETERMINAÇÃO
É A CONEXÃO
ENTRE A ALMA
E O UNIVERSO...

Eu sou um homem fechado.


O mundo me tornou egoista e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada,
numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Mario Quintana

14 maio, 2005

mais um dia...

traçando meu destino, seguindo diretrizes projetadas e redesenhadas diariamente por mim mesmo; com o auxílio luxuoso de minha consciência, essa nobre alma depositada aqui dentro por algum Arquiteto generoso, que se dispôs á procurar um lugarzinho bem aconchegante dentro desse organismo e faze-la ter uma dinâmica própria, um ponto-de-vista privilegiado, com uma ânsia de conhecimento e de viver além de todos os limites humanos.
Tá certo que tenho todas as falhas que acometem cada ser desse planeta, cometo os mesmos erros de todos, mesmo porque é com eles que aprendemos á acertar cada passo e compasso. Afinal, como diz Shakespeare, através da fala da ama de Julieta em seu mais famoso romance: "é caindo que aprendemos á nos levantar..."

Memórias do Espelho {versão #3}

Olhos nos olhos
fito a alma translúcida
oculta,
mártir da dor

tímida
medrosa
entristecida
encolhida
rejeitada por mais uma
que amou

atrás,
fazendo papel de cenário,
uma imensa muralha de edifícios,
a grande cidade
labirinto humano,
testemunha cega
de sacrifícios e doações inúteis
como gotas d’água no oceano

Os sentidos se perdem,
sensibilidade zero
como auto-proteção,
a alma flutua
perdida no vácuo

de mais uma mentira,
vitima de si mesma,
que acreditou ter encontrado uma outra alma
que não era tão idêntica assim

ilusões,
miragens de quem tem sede
de almas nobres;
perdido, solitário, carente
no deserto de almas pobres

o reflexo no espelho
é mais realista que o homem,
que lamenta a idiotice,
a farsa engendrada
armada e atuada em monólogo
com seus próprios botões
- mas cá entre nós: botões têm ouvidos?

A fúria e a melancolia
não vão trazer de volta
a ilusão que se perdeu,
no tempo e no espaço,
entre os edifícios,
solta no anonimato
das multidões sem rosto,
solitárias,
de alegrias fáceis,
consumidoras de ilusões
que desvanecem na alma,
perdulárias de emoções baratas.

O reflexo
olha pro fundo em meus olhos,
nada diz,
mas seu silêncio cala
meus lamentos,
acalma minha alma,
me impulsiona
para fora de mim mesmo,
expulsa o egoísmo latente,
me purifica das mentiras,
me diz,
faz-me sentir
que ninguém,

por mais interessante,
mais apaixonante que seja,
deve ter a capacidade
de me transtornar,
de dominar meu espaço,
de embaçar o meu reflexono espelho...

pedaços de pensamentos

a minha cumplicidade com a noite
o dia vem e desnuda...

todos nós temos que renunciar
á alguns sonhos
que não querem nos pertencer...

GOSTO DE FICAR NA MULTIDÃO
POIS NO MEIO DELA
ME TORNO INVISÍVEL

EU GOSTO DE PESSOAS INTEIRAS,
INTENSAS COMO A VIDA;
SEM MÁSCARAS E HIPOCRISIAS,
QUE TE OLHAM NOS OLHOS
E ENXERGUAM TUA ALMA
COMO ELA REALMENTE É...

(homenagem á Maria Luiza Mendonça e Giulia Gam)

EXPULSE TUA ALMA

TODA VEZ QUE ELA TE TRAIR,
TE ENGANAR
TE TRIPUDIAR

NÃO DEIXE QUE ELA TE FAÇA REFÉM
DE SEUS CAPRICHOS
DE SUAS PAIXÕES E ILUSÕES TOLAS

NÃO PERMITA QUE ELA
DESPERDICE TEU PRECIOSO TEMPO
COM SENTIMENTOS PUERIS
EM CONFLITO PERMANENTE COM A RAZÃO

NÃO DEIXE ESPAÇOS VAZIOS
QUANDO RETIRAR SUA ALMA
DE DENTRO DE VOCÊ
PARA QUE ELA NÃO RESSURJA
DO NADA.

Á CADA VEZ QUE ELA SE APAIXONA
SEM TE CONSULTAR;
ELA TE TRAI,
TE ENGANA
ZOMBA DA COISA MAIS IMPORTANTE
DE SUA VIDA
DE VOCÊ
DA SUA CAPACIDADE
DE RACIONALIZAR
ADMINISTRAR
REALIZAR CADA MOMENTO
DE SUA EXISTÊNCIA
SEMPRE INDEPENDENTE
DE QUALQUER FATOR EXTERNO

VOCÊ DEIXA DE SER
EXATAMENTE O QUE É
PARA SER OUTRO ALGUÉM
QUE VOCÊ MAL CONHECE
E NEM SABE ATÉ QUE PONTO
ESSE OUTRO VAI QUERER SER VOCÊ...

MESA PARA DOIS

by Lori Peikoff
Los Angeles, Califórnia

Em 1947, minha mãe, Deborah, tinha 21 anos e estudava Literatura Inglesa na Universidade de New York. Ela era linda – impetuosa e introspectiva ao mesmo tempo -, com uma grande paixão por livros e idéias. Lia vorazmente e esperava tornar-se escritora um dia.
Meu pai, Joseph, era um candidato a pintor que se sustentava dando aulas de arte num colégio de West Side. Aos sábados, pintava durante todo o dia, em casa ou no Central Park, e se dava ao luxo de jantar fora. Na noite de sábado em questão, ele escolheu um restaurante das vizinhanças chamado Via Láctea.
Acontece que o Via Láctea era o restaurante predileto de minha mãe e naquele sábado, depois de estudar durante todo o dia, ela foi lá para jantar, levando consigo um exemplar usado de “Grandes Esperanças”, de Dickens. O restaurante estava cheio e ela conseguiu a última mesa, sentou-se para uma noitada - de goulash, vinho tinto e Dickens -, e logo perdeu o contato com o que acontecia ao seu redor.
Dentro de meia hora, o restaurante estava cheio de gente esperando mesa. A recepcionista, esbaforida, perguntou à minha mãe se ela se importaria de dividir a mesa com outra pessoa. Quase sem tirar os olhos do livro, minha mãe concordou.
“Uma vida trágica para o pobre Pip”, disse meu pai quando viu a capa esfarrapada de “Grandes Esperanças”. Minha mãe olhou para ele e naquele momento, ela lembra, viu algo estranhamente familiar nos olhos dele. Anos depois, quando lhe implorei para contar uma vez mais a história, ela suspirou docemente e disse: “Eu me vi nos olhos dele”.
Meu pai, inteiramente cativado pela presença dela, jura até hoje que escutou uma voz interior. “Ela é seu destino”, disse a voz, e imediatamente depois ele sentiu um formigamento que foi da ponta dos pés ao topo da cabeça. O que quer que meus pais tenham visto, ouvido ou sentido naquela noite, ambos entenderam que algo milagroso acontecera.
Tal como dois velhos amigos que se encontram depois de muito tempo, conversaram durante horas. Mais tarde, no final da noite, minha mãe escreveu o número do telefone no lado interno da capa de “Grandes Esperanças” e deu o livro para meu pai. Ele disse adeus, beijando-a delicadamente na testa, e em seguida partiram em direções opostas noite adentro.
Nenhum dos dois conseguiu dormir. Mesmo depois de fechar os olhos, minha mãe só via uma coisa: o rosto de meu pai. E meu pai, que não conseguia parar de pensar nela, ficou acordado a noite inteira, pintando o retrato de minha mãe.
No dia seguinte, domingo, ele foi ao Brooklin visitar seus pais. Levou consigo o livro para ler no metrô, mas estava exausto após a noite insone e começou a sentir sono nos primeiros parágrafos. Então enfiou o livro no bolso do casaco – que pusera sobre o assento ao lado – e fechou os olhos. Só acordou quando o trem parou em Brighton Beach, no outro extremo do Brooklin.
O vagão estava vazio e, quando ele abriu os olhos e procurou suas coisas, o casaco não estava mais lá. Alguém o roubara, junto com o livro. O que significava que o número do telefone de minha mãe também se fora. Em desespero, ele procurou por todo o trem, olhando embaixo de cada assento, não somente em seu vagão, mas nos vagões anterior e posterior. No entusiasmo do encontro com Deborah, Joseph, estupidamente esquecera de lhe perguntar o sobrenome. O número do telefone era sua única ligação com ela.
A chamada que minha mãe esperava nunca aconteceu. Meu pai procurou-a várias vezes no Departamento de Inglês da universidade, mas jamais a encontrou. O destino traíra os dois.
O que parecera inevitável na primeira noite no restaurante aparentemente não era para acontecer.
Naquele verão, ambos viajaram para a Europa. Minha mãe foi para a Inglaterra fazer cursos de literatura em Oxford; meu pai foi para Paris pintar. No final de julho, com uma folga de três dias nos estudos, minha mãe voou até Paris, decidida a absorver o máximo de cultura que pudesse em 72 horas.
Levou consigo um novo exemplar de “Grandes Esperanças”. Depois da triste história com meu pai, não tivera coragem de lê-lo, mas então, ao sentar-se num restaurante cheio depois de um longo dia de passeios turísticos, ela abriu a primeira página do romance e começou a pensar nele de novo.
Após ler algumas frases, foi interrompida pelo maître, que lhe perguntou, primeiro em francês, depois em inglês macarrônico, se ela se importaria de dividir a mesa. Minha mãe concordou e retornou a leitura. Um instante depois, ela escutou uma voz familiar.
“Uma vida trágica para o pobre Pip”, disse a voz, e quando ela ergueu os olhos, lá estava ele de novo.

Extraído do livro “Achei que meu pai fosse Deus – e outras histórias verdadeiras da vida americana”, organizado por Paul Auster (Companhia das Letras).
A história desse livro já é, em si mesma, uma narrativa surpreendente. Convidado a fazer um programa mensal numa rede de emisssoras públicas dos Estados Unidos, Paul Auster resolveu pedir aos ouvintes que mandassem suas histórias para serem lidas no ar. Os relatos tinham que ser verdadeiros e curtos, mas não havia restrição quanto ao tema e estilo. (...). Histórias verdadeiras que parecem ficção. Histórias que se recusam a obedecer ao senso comum. (...). A resposta foi espantosa: em um ano, recebeu mais de quatro mil textos. Impossível ler todos no programa como prometido aos ouvintes. A solução foi organizar uma antologia com parte das histórias – e essa que vocês acabaram de ler é uma delas.

13 maio, 2005

NexttimeIseeYou

juro que não sonho mais com isso,
com toda a beleza e a força
das coisas todas que nos envolveram
dessa forma tão espontânea e fluída

juro que nem penso mais
nas impossibilidades das coisas
que me encantam em você,
mas sei que não adianta te dizer isso
quantas vezes for necessário,
assim como eu sei que vc não vai acreditar

álias, algum dia você realmente acreditou
em algo que lhe disse?
E você, quantas vezes já acreditou
em todas as mentiras que inventou para mim?

04 maio, 2005

Audaciosa melancolia...

Não quero que pensem que sou masoquista ao citar tantas vezes a solidão, a auto-suficiência e o prazer em estar sózinho em meu espaço (ou mesmo no meio de uma multidão em festa, num show, numa rave ou na praia lotada, lendo meus livros, minhas revistas, ouvindo minhas músicas e olhando o mar, o céu e as pessoas que passam), essa é minha natureza primária, mas eu adoro pessoas, me envolver com elas, com seus projetos, suas conversas, mesmo que muitas vezes só se fale banalidades; aí é que reside o encanto coletivo, esse mosaico em constante mutação de idéias e palavras. Mas quando estou sózinho, a intensidade me envolve, me concentro nos meus próprios interesses e mergulho no universo e, ao conversar comigo mesmo, tenho a nítida impressão de estar me comunicando diretamente com a essência da Vida.
Então se existe a base de um conceito de Deus que o ser humano criou, a origem é essa: a Vida é essa entidade poderosa que nos proteje e nos pune por nossas ações e reações diárias...

Essa poesia abaixo quem me mandou foi uma amiga maravilhosa,
que gosto muito e que, devido ao alto nível de afinidades, trocávamos muitos emails
falando exatamente da existência, esse mistério que se descortina em nossas mentes
segundo-a-segundo, por isso é tão apaixonante vivencia-la.

Minha força está na solidão.
Não tenho medo nem de chuvas
nem de grandes tempestades soltas,
pois eu também sou o escuro da noite...

- Para Francine Galvão, de Clarisse Lispector


A poesia abaixo fala da solidão de uma forma tão lúdica que me encantou no ato, não resisti e copiei-a do filme "Léolo" - aconselho que o peguem na locadora e assistam. É poesia em movimento:

À senhora...
Audaciosa melancolia...
que, com um grito solitário,
rasgou minha carne...
Que assombra minhas noites
quando não sei o que fazer da minha vida...
Paguei-lhe cem vezes
o que lhe devo.
Com as brasas de um sonho,
só me restam as cinzas
de uma mentira que você mesma
me ensinou á ouvir...
A branca plenitude
que não era como o antigo interlúdio...

Uma perversa morena
de cabelos lisos
que penetrou a pena com que escrevo
e que só me deixou o remorso de ter visto
o dia nascer sobre minha solidão.